Atualmente, a saúde mental é um assunto importante e de ampla discussão, ainda mais em tempos de pandemia. Além de decisiva para a estabilidade física, a saúde mental está relacionada à qualidade da interação individual e coletiva. É urgentemente necessário, no cenário atual, buscar alternativas que possibilitem a manutenção da saúde mental.
O conceito de saúde é muito mais amplo do que simplesmente não estar doente. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), ser saudável significa estar em um completo estado de bem-estar físico, mental e social e, por isso, tratar a saúde significa cuidar de todas as suas vertentes.
Estar saudável mentalmente significa ter a possibilidade de exercer os direitos sociais e de cidadania do ser humano, ser capaz de interagir socialmente para conviver e viver melhor, além de ter a possibilidade de executar suas habilidades pessoais e profissionais.
Para as futuras mamães não é diferente: os novos protocolos de segurança mudaram drasticamente o tão esperado momento do parto, gerando ansiedade na gestante. Dúvidas como “vou ter um acompanhante na hora do parto?”, “poderei receber visitas após o nascimento?” são comuns e geram preocupação na família que está se formando, podendo abalar a saúde mental.
Para acalmar os corações nesse momento difícil, Patrícia Bader, Psicóloga e Coordenadora dos Serviços de Psicologia na regional São Paulo da Rede D’Or São Luiz, respondeu algumas perguntas sobre saúde mental. Confira abaixo.
Dra. Patrícia, como cuidar da saúde mental na pandemia?
Essa é uma pergunta de 1 milhão de dólares, uma pergunta muito abrangente e que já tivemos modificações durante esses meses de pandemia. Portanto, se no primeiro momento o texto era para identificarmos os sinais de medo, angústia e diferenciar um sinal de pânico, hoje a gente tem que entender que a persistência dos perigos e a persistência de uma ameaça pode provocar outras respostas afetivas.
Claro que é uma fala genérica, já que cada caso é um caso, mas o que nós temos observado é que após 1 ano e pouco de exposição a situações ansiógenas, as pessoas têm respostas com um caráter mais depressivo. Recentemente, em um texto na Folha de São Paulo, um psicólogo americano cunhou um termo que foi traduzido para o português como definhamento, que eu digo que é a antessala de um humor mais depressivo e que essa sensação atual tem persistido na população em geral. Um definhamento em relação aos investimentos das coisas da vida, né? Então, uma certa recusa, um passo anterior desse investimento.
Como cuidar disso? As recomendações seguem as mesmas, a preocupação com o destino do Brasil faz com que essa sensação de insegurança aumente, então mantêm-se as recomendações de filtrar as informações, selecionar o tipo e a qualidade da informação e, obviamente, cuidar do tempo e disposição. Manter uma atividade regular, ter horário para executar as atividades, não emendar uma atividade na outra, pois com a questão do online isso acaba sendo uma prática, você não faz intervalos.
Esses momentos de descompressão que a vida nos oferece eu chamo de distratores. Quando você está ao vivo no trabalho, você sai para almoçar com algum colega, eventualmente faz alguma compra, enfim. Você tem distratores que tiram você do foco do tema do trabalho e te colocam em pequenos instantes de prazer e essa talvez seja a principal recomendação.
Procurar ajuda é essencial quando perceber que tem sintomas mais acirrados e que de alguma forma atrapalham sua vida social, laboral e afetiva. E garantir momentos de satisfação, né? É necessário valorizar os pontos de satisfação que você tem na sua vida regular.
A mulher por estar grávida é mais ou menos suscetível a alterações mentais?
Essa é uma pergunta também interessante. A gravidez é algo que acontece no corpo da mulher, mas que envolve um cenário. Essa mulher está inserida dentro de um contexto social. E se esse amparo está fragilizado, é provável que essa fragilidade incida sobre todos e também sobre a mulher grávida que está nesse lugar.
Eu diria que não, que a mulher não é mais suscetível às alterações mentais, porque esse é um risco da gente tornar a patologia uma condição da gestação e que é uma condição especial, uma condição que, pensando em termos do desenvolvimento, a gente pode considerar como uma etapa de crise.
Crise em que sentido? A exigência que a situação de gravidez pede dessas mulheres. Uma adaptação, uma inauguração de um outro status social, a responsabilidade pelos cuidados de um bebê, em que condições essa gravidez se deu, como que essa mulher responde à essa situação gravídica. E de fato, isso a torna aberta a questões que até então não estavam sendo postas.
Uma imagem muito simplificada é a seguinte: Quando você tem um equilíbrio psíquico, você pode manter um certo funcionamento sustentado em, por exemplo, uma mesa de três pés. Quando você se percebe grávida, esse sobrepeso que se faz ali no seu corpo, mas metaforicamente no seu psiquismo, pode pôr à prova a consistência desse suporte e, eventualmente, você ter respostas diferentes para isso.
Então, ela não está mais ou menos suscetível, ela tem uma condição ou outra, que é a condição gravídica que exige ou o questionamento de perguntas que até então não foram feitas e é isso que temos que dar atenção.
O que se pode fazer em termos de estilo de vida e prevenção para evitar essas alterações?
Na linha das recomendações sobre cuidados de saúde mental, perceber as alterações, dividir as responsabilidades, ter lugares de partilha dos seus afetos, espaços que você possa conversar sobre essas mudanças. Com a questão da pandemia, esses lugares, eventualmente, ficaram mais restritos para circulação de pessoas, e é extremamente necessário nesses tempos; essa troca social também mais limitada e a preocupação que se acrescenta à gestante em relação aos desdobramentos do Covid-19 na gestação.
Seja pela própria condição de pandemia, seja pela preocupação que uma doença como a Covid-19 pode causar e qual seria a ocorrência e o desfecho numa condição gravídica para a grávida e o bebê. Essa preocupação aumenta e vem redobrada e, de fato, isso precisa ser escutado.
A ideia não é patologizar as formas de sofrimento, às vezes o sofrimento é uma maneira de aprendermos a responder aos excessos do mundo e precisamos falar para criar narrativas. São essas narrativas que irão ter efeitos em relação ao sofrimento psíquico.
Em caso de gravidez planejada, a incidência de doenças mentais é maior ou menor do que em gravidez não planejada?
É difícil afirmar categoricamente, mas certamente uma gravidez que não foi planejada, em geral, exige um rearranjo mais apressado da forma como você responde a essas mudanças e a esses acontecimentos.
Então, de novo, conseguimos planejar, é do humano fazer um planejamento dos acontecimentos, porque nós somos seres de linguagem e pensamos e, portanto, conseguimos antecipar as situações. Desta maneira, ainda que uma pessoa não tenha planejado uma gestação, é normal que passe pela cabeça das pessoas em algum momento da vida.
O que eu quero falar com isso é que não é o planejamento que vai determinar a incidência de manifestações psicopatológicas. Eu prefiro essa expressão do que chamar de doenças mentais. Novamente, faço esse apontamento: Quando a gente define uma condição patológica, a doença mental, você abre menos espaço para que as pessoas valorizem o sofrimento como uma manifestação humana. Então, nós temos sintomas psíquicos que podem se tornar patológicos, que de alguma forma limitam as atividades cotidianas dessa pessoa.
Portanto, a resposta é não, a gravidez planejada ou não planejada, não vai estar diretamente ligada a essa questão de incidência de sintomas psíquicos mais agravados. Nós entendemos que a gravidez não planejada, ainda sim é consentida, claro que aqui abriria margem para pensarmos em situações de violência que é um cenário bastante comum. Mas quando se pensa em uma violência contra a mulher a história é outra, não tem a ver com a gravidez, mas com o lugar que ela ocupa na relação com o outro, enfim, é uma porta importante para que possamos discutir e tratar, aí sim você tem sintomas mais agravados.
Por que a depressão na mulher grávida é um assunto tão importante?
A depressão é um assunto importante mundialmente, e o Brasil ranqueia como um dos países que tem o maior número de diagnósticos de ansiedade e depressão.
O que particulariza a questão da gestação. A depressão puerperal (Depressão Pós-Parto) é uma depressão como as outras, pensando nosograficamente, mas ela acontece durante a gestação.
Em geral, ela tem uma relação direta com essa exigência gestacional, e o que vem junto com isso, ou seja, toda a história dessa mulher. Temos que prestar atenção como em qualquer outra, porque normalmente isso é uma resposta a esse estado gravídico e aí, mais uma vez, escutar qual é a construção desta mulher, em particular sobre aquilo que acontece com ela é essencial.
Se colocarmos nesses termos de maior importância do que em outras situações, se refere ao fato de que a gravidez é um tempo, não só de crescimento desse feto, desse bebezinho, mas também de transformação de uma condição não gestacional para um status de mãe ou de pai. A exigência que um bebê traz para um adulto é uma exigência muito importante, a exigência de constituição da sua própria subjetividade e isso faz com que tenhamos uma atenção especial para essas situações de depressão puerperal.
A depressão pós-parto aumentou na pandemia?
Não consigo fazer essa afirmação, pois não tenho esse dado preciso. O que eu posso falar da minha experiência hospitalar é que sim, a questão da pandemia e os temores em relação aos efeitos da Covid-19 na gestação afetam sim, principalmente, em alguns casos em que a mãe e o bebê contraíram a doença, e outros desdobramentos e consequências dessa condição.
Então, de forma geral, o medo em relação à Covid-19, a iminência e o risco da morte, ainda que nem todos os casos tenham esse risco tão acentuado, mas a possibilidade de acrescentar diariamente o número de mortes faz com que você fique mais exposto a essa fragilidade que é a percepção da finitude.
Portanto, viver o tempo inteiro pensando que somos finitos exige uma defesa psíquica mais sofisticada e, por isso, o risco de você ter respostas mais sintomáticas. Então, eu não consigo te fazer essa afirmação sobre a depressão pós-parto.